O que aprendemos sobre as bets

Desde os tempos mais remotos, o ser humano demonstra fascínio pelo acaso. Seja em tabernas medievais ou em rodas de baralho nas praças, os jogos de azar sempre ocuparam um espaço significativo na vida social. Apostar — seja por diversão, desafio ou esperança de lucro — é uma prática que atravessa culturas e séculos.

Com o avanço da tecnologia, o que mudou é o palco onde essa atividade acontece. Agora as apostas migraram para o ambiente digital. As chamadas bets — plataformas de apostas on-line — tornaram-se parte do cotidiano de milhões de pessoas, oferecendo acesso instantâneo a uma infinidade de possibilidades, dos esportes às roletas virtuais. Marlúcio Cândido, mestre em administração/finanças e professor da Una Cristiano Machado (MG), destaca que as bets estão em todo lugar. “Vê-se no celular que não sai das mãos das pessoas, no futebol que é a paixão nacional, nos vídeos dos influenciadores que alegam ganhar várias vezes em pouquíssimo tempo. As plataformas de apostas existentes não estão apenas crescendo, elas estão dominando o mercado.”

E o risco mora aí, como alerta o professor.

“Elas são feitas para seduzir. O marketing das bets atua com uma força estratégica que mistura emoção, conveniência e cultura pop, criando um ambiente onde apostar parece não só normal, mas desejável e quem não participa fica com a sensação de que está ficando para trás.”

Diversão, dinheiro fácil, sonho de ser rico ou tudo isso junto?

Na segunda reportagem da série “O que aprendemos sobre”, convidamos você a refletir sobre essa nova mania nacional, as bets, e como os jogos virtuais podem comprometer o orçamento e as relações sociais.

Desde 1º de janeiro, apenas as bets autorizadas pelo governo podem explorar apostas esportivas e jogos on-line no Brasil. Segundo dados da SimilarWeb, que acompanha o tráfego da internet de todo o mundo, no primeiro mês da regulamentação, as bets atingiram média diária de 55 milhões de acessos. Já em maio, as casas de apostas somaram 2,7 bilhões de visitas, à frente de YouTube (1,3 bilhão), WhatsApp (759 milhões), TikTok (740 milhões), e atrás do Google (4,9 bilhões). O Brasil responde por 99,92% do tráfego ao “bet.br”, domínio obrigatório para casas de apostas que operam legalmente no país, que já é também o 14º mais visitado no mundo.

Somado a esse boom está a motivação do acesso. Segundo pesquisa do Serasa em parceria com o instituto Opinion Box, mais de 40% dos inadimplentes do Brasil já jogaram em bets buscando dinheiro para pagar dívidas, demonstrando a ausência de estratégias saudáveis para lidar com o dinheiro, como aponta professor Marlúcio.

“Para muitos brasileiros, especialmente os inadimplentes, as bets funcionam como uma tentativa de recuperar o controle diante do descontrole financeiro e emocional. Isso é reflexo da ausência de educação financeira sólida, o que torna os brasileiros mais vulneráveis a decisões impulsivas, como recorrer às bets para sair do vermelho.”

Para acabar definitivamente com essa condição, o professor recomenda que a educação financeira seja tratada com prioridade, tendo políticas públicas com a inclusão do aprendizado no currículo escolar, além de campanhas de conscientização que alcancem todas as camadas da sociedade. “Afinal, quando não se compreende plenamente como administrar os recursos, planejar gastos ou lidar com crédito, a suscetibilidade ao endividamento potencializa-se.”

Nesse sentido, a regulamentação das bets, que trouxe avanços importantes, como segurança jurídica, combate ao mercado ilegal e a exigência de ferramentas de controle contra o vício, é um passo importante, mas ainda é um modelo em construção. “O Brasil começa a se alinhar aos padrões internacionais, mas tem um longo caminho pela frente quando comparado com outros países como Itália, Portugal, Estados Unidos, Canadá e Reino Unido que já têm uma trajetória mais longa nesse setor”, afirma Marlúcio.

Impacto nas relações sociais e familiares

Mas os impactos das bets vão além do bolso. Quando o jogo deixa de ser entretenimento e se torna compulsão, as consequências atingem também os vínculos sociais e familiares. O professor observa que o apostador compulsivo tende a priorizar o jogo em detrimento dos familiares, amigos e responsabilidades, comprometendo a produtividade no trabalho e pode levar a decisões impulsivas com graves consequências.

E esse envolvimento com as bets tem se intensificado entre os mais jovens, que representam hoje o principal público das plataformas, com destaque para a faixa etária entre 18 e 35 anos. Esse grupo representa a maioria dos usuários ativos nas plataformas digitais, impulsionado por fatores como familiaridade com tecnologia, interesse por esportes, a intensa publicidade nas redes sociais, estética gamificada e a busca por ganhos rápidos.

Além disso, a impulsividade, baixa percepção de risco e falta de educação financeira tornam os jovens especialmente vulneráveis às apostas, com impactos que vão da ansiedade ao baixo desempenho. “É essencial que políticas públicas, instituições educacionais e plataformas de apostas promovam ações de prevenção e conscientização. A promoção de campanhas voltadas para o público jovem, aliadas a mecanismos de controle e suporte psicológico, são fundamentais para mitigar os riscos e promover o uso responsável dessas plataformas”, alerta Marlúcio.

Caminhos seguros para o jogo responsável

Diante desse cenário preocupante, é fundamental discutir formas de promover o uso consciente das bets e evitar que o lazer se transforme em vício. Segundo o professor não há uma fórmula mágica, mas ele indica algumas estratégias para evitar que o jogo ultrapasse os limites do lazer.

  1. Reconheça que o ato de apostar envolve decisões que podem impactar diretamente a saúde financeira e o emocional, pois cada indivíduo possui uma relação única com o dinheiro.
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  2. Estabeleça um limite financeiro mensal para apostas como se fosse parte do orçamento destinado ao lazer. Esse valor deve ser fixo e jamais ultrapassado, mesmo diante de perdas. Tentar recuperar prejuízos é uma das principais armadilhas do comportamento impulsivo no jogo.
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  3. Reflita sobre as companhias e os contextos em que as apostas ocorrem. Cercar-se de pessoas que incentivam o jogo constante ou que normalizam o comportamento compulsivo pode dificultar o controle. O grupo de convivência influencia diretamente nos hábitos e nas decisões.
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  4. Monitore a frequência das apostas, mantenha registros dos gastos e avalie constantemente o impacto no bem-estar. Mesmo com boas intenções, a falta de planejamento pode levar ao descontrole.

“Dinheiro mal-administrado não perdoa. Saber dar a ele o respeito que merece pode ser o primeiro passo para evitar que o jogo vire prejuízo”, finaliza Marlúcio.

Marlúcio Cândido é mestre em Administração/Finanças, professor da Una Cristiano Machado (MG), imortal das academias Abracicon (Academia Brasileira de Ciências Contábeis), AMICIC (Academia Mineira de Ciência Contábeis) e AHBLA (Academia Hispano-Brasileira de Ciências, Letras e Artes).