A qualidade do sono é um dos pilares fundamentais para a saúde e bem-estar, influenciando diretamente a nossa capacidade de enfrentar os desafios do dia a dia. No entanto, distúrbios do sono têm se tornado cada vez mais comuns, afetando milhões de pessoas ao redor do mundo. Diante de uma rotina acelerada e muitas vezes estressante, o sono é frequentemente negligenciado, resultando em consequências para a saúde física e mental.
Para esclarecer a importância de reconhecer e tratar essas condições, conversamos com o Dr. Caio Bonadio, psiquiatra e especialista em Medicina do Sono. Com uma trajetória acadêmica robusta, incluindo formação em Psiquiatria pela Santa Casa de São Paulo e especialização em Medicina do Sono pelo Hospital das Clínicas da USP, Dr. Caio traz uma visão aprofundada sobre as principais doenças do sono e suas implicações para a saúde. Além de sua prática clínica, ele compartilha informações valiosas em seu Instagram (@caiobonadio.psiquiatra) e no site de seu consultório (www.conteclinica.com).
Distúrbios do sono
Dr. Caio destaca duas das doenças do sono mais prevalentes: a insônia crônica e a apneia obstrutiva do sono. Ele explica que a insônia é caracterizada por “dificuldade em iniciar o sono, mantê-lo ou acordar antes do horário habitual”, além de repercussões diurnas como “cansaço, irritabilidade, dificuldade de memória e concentração”. Segundo o especialista, a insônia afeta aproximadamente 20% da população e sua prevalência tem aumentado desde a pandemia de Covid-19.
Já a apneia do sono, muitas vezes subdiagnosticada, acomete cerca de um terço da população, sendo que 90% dos casos permanecem sem diagnóstico. Trata-se de “um distúrbio respiratório relacionado ao sono. O paciente engasga à noite e a diminuição do fluxo de ar na garganta faz com que a concentração de oxigênio no sangue fique oscilando”, alerta o Dr. Caio, explicando que o distúrbio, além de fragmentar o sono, pode causar sonolência diurna e afetar funções cognitivas.
Os impactos a longo prazo na saúde física e mental
Os impactos dessas e outras doenças do sono vão além da qualidade de vida no dia a dia. A longo prazo, distúrbios como insônia e apneia podem aumentar o risco cardiovascular, levando a condições como infarto e derrame.
"O sono fragmentado altera as proporções de sono REM e sono Não REM. Essas modificações na forma como o sono se comporta podem diminuir a capacidade cognitiva, porque o sono REM e o sono profundo, que é o estágio 3 do sono Não REM, são fundamentais para a consolidação de memórias e do aprendizado", explica o médico.
Além disso, há impactos na capacidade de tomada de decisões e no controle de impulsos, funções fundamentais mediadas pelo córtex pré-frontal.
O que caracteriza um sono reparador?
Sobre o que caracteriza um sono reparador, Dr. Caio ressalta que o conceito é subjetivo: “Se uma pessoa acorda com a sensação de sono reparador e se ela permanece disposta e alerta ao longo do dia, em tese, isso já é um sono reparador”. A recomendação geral para adultos é de 6 a 8 horas de sono por noite, mas o especialista observa que há variações: “Existem pessoas que precisam de mais de 8 horas de sono e outras que se sentem bem com 5 ou 6 horas, embora isso seja mais raro”.
Como melhorar a qualidade do sono?
Para aqueles que buscam melhorar a qualidade do sono, o Dr. Caio sugere hábitos simples e eficazes, como acordar todos os dias no mesmo horário, ir para o quarto apenas quando estiver com sono e evitar telas de celulares ou computadores antes de dormir.
"O uso de telas pode aumentar o estado de hiper-alerta noturno, contribuindo para a ansiedade noturna e a sensação de falta de relaxamento e aumento de tensão psíquica", explica.
Desvendando os mitos sobre o sono
Dr. Caio Bonadio desmistifica alguns mitos comuns sobre o sono. Um deles é a ideia de que “todo mundo precisa de 8 horas de sono por dia”, quando na realidade essa necessidade varia de pessoa para pessoa. Existem “dormidores curtos”, que se sentem bem com menos de 6 horas de sono, e “dormidores longos”, que necessitam de mais de 8 horas para se sentirem descansados.
Outro mito que ele destaca é acreditar que “se não lembrar do sonho, o sono foi ruim”. Segundo o especialista, “nós sonhamos todas as noites, e o fato de lembrarmos ou não do sonho depende de outros fatores, como acordar durante o sono REM”. Além disso, ele esclarece que falar à noite ou ter sono agitado não significa necessariamente um problema psiquiátrico, mas pode indicar questões como a apneia do sono ou a falta de descanso adequado.
Tratamentos para distúrbios do sono
O tratamento para problemas de sono varia conforme a condição. No caso da insônia, o Dr. Caio recomenda a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-i), que ajuda a criar uma rotina de sono e a reduzir o estado de hiper-alerta noturno. Já para a apneia do sono, o uso de CPAP, um dispositivo que mantém as vias respiratórias abertas durante o sono, é frequentemente recomendado em casos mais graves. “Para casos leves a moderados, o aparelho intra-oral de avanço mandibular e a terapia miofuncional podem ser muito eficazes”, complementa.
Dr. Caio também destaca que pessoas com depressão e ansiedade acabam tendo uma chance maior de desenvolver insônia, enquanto pacientes com sobrepeso ou obesidade têm maior propensão a desenvolver apneia do sono. Dessa forma, torna-se essencial adotar cuidados preventivos e buscar acompanhamento médico adequado para cada situação, garantindo um tratamento personalizado e eficaz.
Sono de qualidade é bem-estar
Segundo o médico, “o sono de qualidade é um pilar fundamental para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, principalmente as doenças cardiovasculares, que são uma das principais causas de morte no mundo”. Além de proteger a saúde física, o sono adequado também exerce um papel essencial na nossa vida diária.
Ele explica que o sono impacta “nossa capacidade produtiva, nossas relações sociais e profissionais, o controle do apetite e o correto funcionamento de diversos sistemas do corpo, como o imunológico e o endócrino”. Isso reforça a importância de priorizarmos um sono reparador como parte de um estilo de vida saudável.
Alerta sobre a importância do sono
O Dr. Caio conclui com um alerta claro: “Quem dorme mal morre mais cedo”. Ele reforça a importância de priorizar o sono e buscar ajuda especializada ao perceber sinais de que o descanso noturno não está sendo reparador. “Roncar não é normal, exceto em situações específicas, como quando estamos muito cansados ou após o consumo de álcool”, afirma destacando que a automedicação não é uma solução segura para problemas do sono.
Para quem busca entender melhor seus hábitos de sono e promover mudanças, o médico recomenda que em caso de dificuldades persistentes, o melhor caminho é procurar orientação médica adequada.
O alerta é claro:
“Não se medique por conta própria, independentemente do remédio, ‘natural’ ou não. Sono não é brincadeira e existe uma ciência por trás disso, a coisa pode ser muito mais complexa do que parece.”