O que aprendemos sobre o endividamento financeiro

Quase metade dos brasileiros está inadimplente segundo dados da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) e do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito). A cena é recorrente: contas atrasadas, decisões financeiras tomadas por impulso, cartão de crédito parcelado além do limite e a sensação de que nunca sobra dinheiro no fim do mês. Em um país onde o consumo muitas vezes é incentivado como sinônimo de felicidade, falta à população o que deveria ser básico: educação financeira.

Pensando em mudar esse cenário, a segunda reportagem da série “O que aprendemos sobre”, convida você a mergulhar no universo das finanças pessoais e, mais especificamente, nos caminhos que levam ao endividamento. Para isso, conversamos com a economista, mestre em Administração e professora da Una Sete Lagoas (MG), Vaníria Ferrari, que defende como único caminho possível para reverter esse cenário passar por três verbos fundamentais: conhecer, controlar e planejar.

CONHECER: o ponto de partida da liberdade financeira

Todo planejamento começa com um diagnóstico. E, segundo Vaníria, este é justamente o passo que a maioria das pessoas ignora. “Conhecer começa entendendo suas entradas e saídas, ou seja, quanto você ganha e como está gastando esse dinheiro.”

Mapear os gastos mensais parece simples, mas muitas vezes é doloroso. Itens pequenos, como cafés diários, aplicativos de entrega e compras por impulso, somam valores expressivos ao final do mês. Pior: muitas pessoas ainda desconhecem que vivem no vermelho até o limite do cartão ser ultrapassado ou o nome entrar para o cadastro de inadimplência. Vaníria sugere uma ferramenta que pode mudar esse cenário: a categorização de gastos.

“O primeiro passo é separar o que é fixo e não pode ser alterado, como aluguel e contas básicas – água, luz, gás etc.; e o que é variável, como lazer, roupas, assinaturas de streaming etc. Só assim podemos enxergar onde é possível agir.”

Esse mapeamento simples, muitas vezes feito com papel e caneta, mas que já conta com aplicativos diversos, é o que permite o próximo passo: o controle, como afirma a economista. “Conhecer é essencial para controlar.”

CONTROLAR: quando saber dizer não vira uma forma de cuidar de si

A fase do controle exige escolhas. E nem sempre elas são fáceis. Afinal, cortar gastos não essenciais pode ser interpretado como abrir mão de pequenos prazeres. Mas Vaníria afirma: “Não se trata de eliminar, mas sim adequar o consumo à sua realidade”.

Nesse ponto ocorre os maiores erros cometidos por quem busca empréstimos: recorrer ao crédito sem ter clareza sobre a própria situação financeira.

“O principal erro é não entender suas finanças e buscar o crédito mais fácil e rápido, como cheque especial, cartão de crédito ou crédito pessoal”, alerta. “E, no desespero, contrair novos empréstimos para pagar os antigos, o que só gera uma bola de neve.”

Uma armadilha comum é usar o crédito para cobrir gastos fixos como aluguel ou escola. Isso sinaliza um desequilíbrio profundo nas finanças e pode comprometer ainda mais o orçamento. “Não se sai de um empréstimo com outro empréstimo”, orienta categoricamente a especialista.

Vaníria propõe uma abordagem prática: antes de pensar em crédito, é preciso ajustar a vida ao padrão financeiro. “Se a renda caiu, é hora de cortar custos possíveis e buscar alternativas, como renda extra ou renegociação de contratos. Crédito deve ser exceção, não regra.”

PLANEJAR: para não cair na mesma armadilha de novo

Se conhecer e controlar os próprios gastos já é um grande desafio, planejar o futuro financeiro exige ainda mais comprometimento e visão de longo prazo. A economista destaca que o planejamento é o momento de tomar decisões conscientes sobre o que se quer conquistar e como chegar lá.

“A partir do planejamento é que se avalia se um empréstimo é necessário, se a aquisição de um bem é viável, ou se é hora de esperar mais um pouco”, explica.

Para ela, recorrer ao crédito só deve acontecer diante de objetivos muito específicos: aquisição de um imóvel, carro, para fazer o investimento em educação ou reestruturação de dívidas, por exemplo, e sempre com organização e consciência.

Vaníria também chama a atenção para o Crédito do Trabalhador, nova linha de empréstimo consignado destinada aos trabalhadores do setor privado, com o objetivo de facilitar o acesso a crédito com taxas de juros mais baixas e condições mais vantajosas. Embora ofereça condições atrativas, o consignado pode se transformar em uma armadilha silenciosa, é que o enfatiza a especialista. “Ao pensar que estão se beneficiando de condições melhores como taxas de juros, as pessoas acabam contraindo empréstimos que não conseguem pagar. Como as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento, parece vantagem, mas, se não houver controle, o crédito acaba comprometendo uma parte significativa da renda mensal sem que a pessoa perceba.”

Nesse contexto, o planejamento também envolve estabelecer limites: até onde posso ir sem prejudicar o que é essencial? O que posso postergar? O que posso abrir mão para alcançar um objetivo maior?

Cultivar bons hábitos: o que vem depois da renegociação

Conseguir renegociar dívidas é um alívio — mas também é só o começo. Vaníria reforça que não basta quitar débitos: é preciso criar condições para que eles não voltem. “Quem renegocia precisa seguir os passos do tripé, reaprender a lidar com o dinheiro e incluir novos hábitos no dia a dia.”

Entre eles, um se destaca: a criação de uma reserva financeira, mesmo que pequena.

“Guardar 5%, 10% da sua renda, ou até 1%, já é um avanço. E com a taxa Selic em alta, há boas opções de investimento em renda fixa para quem está começando.”

Outro ponto importante: rever os hábitos de consumo. A economista propõe revisar os gastos variáveis – restaurantes, roupas, assinaturas, lazer — com honestidade e readequá-los à realidade atual. Por fim, reforça:

“O mais importante é o conhecimento e controle das contas pessoais porque o principal erro é não entender suas finanças e buscar o crédito mais fácil e rápido. Seguindo o tripé de finanças conhecer, controlar e planejar, a pessoa irá conseguir planejar com critério a vida financeira”, finaliza.