Acupuntura e homeopatia: terapias complementares e integrativas

O debate sobre a eficácia da acupuntura e homeopatia foi reaceso após a publicação do livro Que bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério (ed. Contexto), da microbiologista e divulgadora científica Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), e do jornalista e diretor da entidade, Carlos Orsi, que classifica como não científicas e sem eficiência comprovadas essas e outras práticas tão populares no Brasil.

Homeopatia e acupuntura são regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e englobam as 29 terapias complementares chamadas de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a acupuntura no tratamento de diversas condições clínicas, assim como considera a homeopatia uma medicina alternativa e complementar na prevenção de agravos, promoção e recuperação da saúde. Portanto, ambas práticas estão incluídas no que a organização denomina como medicinas tradicionais, complementares e integrativas (MTCI). As MTCI constituem um modelo de cuidado à saúde, baseado em teorias e experiências de diferentes culturas.

“Uma postura de descredenciamento de sistemas médicos não convencionais que possuem evidências como a acupuntura e homeopatia, além de uma história milenar, no caso da acupuntura, e de 200 anos, no caso da homeopatia, demonstra uma falta de conhecimento aprofundado sobre o tema”, aponta Ricardo Ghelman, presidente do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (Cabsin). “Acupuntura e homeopatia não são terapias alternativas, mas sim terapias ou práticas integrativas e complementares. Algumas dessas práticas, para algumas condições de saúde, possuem mais evidências que muitas intervenções convencionais utilizadas no dia a dia dos profissionais. Acupuntura pode ter indicação mais sólida para o manejo da dor do que alguns tipos de medicamentos, por exemplo, que geram efeitos adversos maiores.”

Organização social sem fins lucrativos, o Cabsin reúne mais de 300 pesquisadores com mestrado, doutorado e pós-doutorados na área de Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas, tendo realizado mais de 1.400 revisões sistemáticas sobre o tema por meio de mapas de evidência, em parceria com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), cujo Ricardo, que é médico oncologista pediátrico, coordena a elaboração. “As práticas, sistemas médicos e recursos terapêuticos são extremamente diversos e tem graus muito diferentes de evidências produzidas entre eles. Criticar as intervenções em saúde a partir de uma visão estanque, dogmática e que parte de um pressuposto de generalização cega não é ciência. Ciência em saúde é o compromisso com o paciente e a visão que junta as ciências exatas, humanas e biológicas, pensando no desfecho positivo para a vida das pessoas”, afirma dr. Ricardo.

A acupuntura

A acupuntura é uma das práticas que integram a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e acredita-se que a terapia tenha mais de quatro mil anos. Por meio da aplicação de agulhas pequenas em várias regiões do corpo, chamadas meridianos, a acupuntura busca desencadear efeitos analgésicos e anti-inflamatórios que ajudam no alívio de dores, tensões e outros mal-estares.

“A acupuntura é um pedaço do projeto terapêutico da medicina chinesa, que tem o sujeito (paciente) como o objeto da terapia e não apenas a sua doença em si”, explica Eduardo Alexander, coordenador do Comitê de Medicina Chinesa do Cabsin. “Na medicina chinesa, o sistema diagnóstico de uma doença é diferente, pois ele faz ligações entre sinais e sintomas. Por exemplo, quando uma pessoa chega com uma dor lombar para um especialista em medicina chinesa, ele avalia essa dor como um sintoma que pode estar correlacionado a vários outros, desde um problema lombar propriamente dito até com o funcionamento da bexiga, a forma e o estado dos ossos, a vida sexual etc., pois esse profissional tem uma leitura diferente da fisiologia do corpo humano e de como ele funciona. Então a maior parte das pessoas que tenta fazer uma crítica à eficácia da acupuntura não se apropria da discussão prévia em que para você avaliar uma racionalidade médica, você precisa primeiro conhecer a proposta terapêutica dessa racionalidade médica.”

O Mapa de Evidências da Efetividade Clínica da Acupuntura, projeto de sistematização de estudos científicos sobre as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), conduzido pelo Cabsin e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/Opas/OMS), com apoio da Coordenação Nacional de Práticas Integrativas e Complementares de Saúde do Ministério da Saúde, revela que os mecanismos de ação desta prática estão elucidados em trabalhos científicos, publicados em várias partes do mundo, agregando 171 estudos de revisão. “Os estudos estão agrupados em revisões com efeito positivo e de qualidade. Dentre os estudos de alta qualidade, você tem associação positiva da acupuntura para várias condições de saúde como transtornos de saúde mental, abuso de substâncias, estresse, dores crônicas, fibromialgia e depressão pós-parto”, destaca Caio Fábio Schlechta Portella, vice-presidente do Cabsin. “Temos uma complexidade enorme para validar esses estudos, pois eles não se pautam pelo método de diagnóstico da medicina chinesa, mas sim pelo modelo da medicina tradicional ocidental, que não refletem a individualização do tratamento praticada pela lógica da medicina chinesa.”

Homeopatia

O mesmo acontece com a homeopatia, como aponta o médico Edgard Costa de Vilhena, que é membro do Comitê Científico de Homeopatia do Cabsin.

“No caso da homeopatia, ainda devemos avaliar a técnica utilizada se foi baseada no indivíduo ou no problema, o que nos deixa em desvantagem numérica quanto à quantidade necessária para pesquisa, pois encontrar perfis individuais, com problemas semelhantes que respondam àquela mesma dosagem medicamentosa homeopática, é muito mais difícil do que quando temos uma terapia que só foca no problema, por exemplo, casos de apendicite.”

Assim como na acupuntura, a homeopatia tem como foco o paciente como um todo e não apenas a queixa inicial que o levou a procurar um médico. “A homeopatia não trata doenças, mas sim doentes, mas conforme o Mapa, vimos ensaios clínicos bem-feitos com resultados altamente positivos para infecções respiratórias, TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), fibromialgia, otite média, diarreia, periodontite, transtornos pós-menopausa e saúde do trabalhador”, destaca dr. Edgard. “A homeopatia pode ser associada ao tratamento com a alopatia a fim de melhorar as condições de saúde do paciente. Evidentemente que qualquer tratamento médico deve ser precedido pelo diagnóstico clínico, assim como todo o acompanhamento do caso com uma abordagem integral e individualizada. Sendo assim, a homeopatia é mais um benefício a ser incorporado ao tratamento do paciente.”

O mapa ao qual o especialista se refere é o Mapa de Evidências Efetividade Clínica da Homeopatia, também desenvolvido pelo Cabsin/Bireme/Opas/OMS. A homeopatia é uma prática médica que trata problemas de saúde com medicamentos ultradiluídos, que podem ser apresentados de forma líquida ou sólida e administrados em dose única ou de forma seriada – várias vezes por dia – por meio de um único medicamento ou de um complexo de medicamentos.

O que esperar para o futuro

Uma das críticas do livro Que bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério é de que a acupuntura e homeopatia podem atrasar o tratamento na medicina tradicional. Nesse sentido, dr. Ricardo afirma que a argumentação do atraso se baseia em outra estratégia de cuidado, a escolha entre o tratamento A ou B, postura essa também criticada pelo Cabsin. “O modelo complementar e integrativo não segue esta lógica da escolha, nem do atraso, mas sim da associação racional de orientações de estilo de vida, de alimentação, de terapias complementares associadas ao tratamento convencional. Um bom exemplo é o tratamento integrativo em pacientes com câncer, que exige a orientação do gengibre com efeito antináuseas, uso de fitoterápicos como Viscum album e Cúrcuma, e a prática de meditação e yoga, junto com o protocolo de quimioterapia. Esse modelo complementar e integrativo seria o modelo A + B de vida real”, argumenta. “Para isso, foi desenvolvida a Sociedade de Oncologia Integrativa que vem gerando diretrizes que estão sendo incorporadas em hospitais de excelência do Brasil, como o Hospital Albert Einstein, Hospital Oswaldo Cruz, com apoio oficial do Instituto Nacional do Câncer – INCA e do Ministério da Saúde”.

Segundo o Cabsin, a tendência para os tratamentos realizados com homeopatia e acupuntura é de expansão, bem como de incorporação de novas intervenções baseados no papel preventivo e promotor da saúde. “O desafio da modernidade está relacionado ao nosso estilo de vida, com a longevidade associada à qualidade de vida, por isso, temos muito a avançar, unindo terapias antigas de forma integrada e pesquisadas com as abordagens modernas”, finaliza dr. Ricardo.

Ricardo Ghelman (MD, PhD) é presidente-fundador do Cabsin e consultor em Medicina Tradicional, Complementar e Integrativa (MTCI) da OMS. Pediatra, oncologista pediátrico e professor do Departamento de Medicina da Atenção Básica da Faculdade de Medicina da UFRJ e do Laboratório de Produtos Naturais e Derivados da Faculdade de Medicina da USP. Coordenador geral dos Mapas de Evidências sobre Efetividade Clínica de MTCI (Cabsin e Bireme/Opas). Possui pós-doutorado em Neurociências pela Unifesp, membro do Research Council in Anthroposophic Medicine, Suíça, embaixador da Society of Integrative Oncology para o Brasil e presidente do Núcleo de Estudos de Medicina Integrativa para Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

Caio Fábio Schlechta Portella é vice-presidente do Cabsin. Membro da diretoria da Base de Cooperação China-Brasil para a Medicina Chinesa. Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Doutorando pela USP.

Eduardo Alexander é coordenador do Comitê de Medicina Chinesa do Cabsin, Ph.D pela UERJ e Boston University em Saúde Coletiva, Promoção de Saúde pela Medicina Chinesa, com foco em sexualidade e saúde. É professor acadêmico, terapeuta e meditador experiente.

Edgard Costa de Vilhena é integrante do Comitê Científico de Homeopatia do Cabsin, médico, doutorado pela Escola de Medicina em Ciências da Saúde - USP, mestrado em Homeopatia pela Facis, Homeopata pela AMHB e SOHERJ, pós-doutorado em Patologia Ambiental pela Unip. Professor da Unisa em semiologia e clínica médica, pós-graduado em terapia intensiva. Ministra cursos de tipos de estudos epidemiológicos para pós-graduados pelo Cabsin e desenvolve profissionais e projetos de pesquisa na área de ultradiluições.