Combate à exploração sexual infantil: veja como falar sobre o tema com os filhos

O mês de maio foi dedicado ao combate do abuso e da exploração sexual infantil por meio da iniciativa Maio Laranja, que visa dar mais visibilidade ao tema, que é lembrado em 18 de maio, conscientizando pais, filhos e a sociedade como um todo. O abuso sexual é crime e pode ser denunciado pelo Disque 100.

Em maio de 2020, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) divulgou um balanço das denúncias registradas pelo Disque 100. Dos 159 mil casos contabilizados, 86,8 mil estavam relacionados a violações de direitos de crianças ou adolescentes, sendo que 11% se referem a denúncia de violência sexual, correspondendo a 17 mil ocorrências. O levantamento identificou que 73% dos casos de violência sexual ocorre na casa da própria vítima ou do suspeito, sendo que 40% delas é cometida pelo pai ou padrasto da vítima.

No Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, realizado pelo UNICEF e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que analisou os boletins de ocorrências dos estados brasileiros, foi constatado que entre 2017 e 2020, 180 mil crianças e adolescentes sofreram violência sexual – uma média de 45 mil por ano. As crianças de até 10 anos representam 62 mil das vítimas nesses quatro anos, ou seja, um terço do total. 80% das vítimas de violência sexual é menina, entre 10 e 14 anos de idade, sendo os 13 anos a idade o mais frequente. Para os meninos, o crime se concentra na infância, especialmente entre 3 e 9 anos de idade. A maioria dos casos de abuso sexual ocorre na residência da vítima e é praticado em 86% dos casos por pessoas conhecidas.

Em 2020, houve uma redução no número de registros de violência sexual. Foram 40 mil registros na faixa etária de até 17 anos em 2017 e 37,9 mil em 2020. No entanto, os organizadores do Panorama acreditam que não tenha ocorrido uma diminuição de casos, mas sim uma subnotificação das ocorrências devido ao isolamento social e outras restrições impostas pela pandemia da covid-19.

Os dados assustam, mas além de políticas públicas efetivas, pais e outros familiares podem e devem colocar em prática o diálogo em casa sobre o assunto, tendo um olhar específico para diferentes etapas da vida e para as diferentes formas de violência na infância e adolescência. Para te ajudar nesse processo, o Futuro On-line conversou com a psicóloga especialista em saúde mental, Talita Santos. Acompanhe.

Acolhimento, diálogo e informação

Os pais precisam criar um ambiente psicologicamente seguro para os filhos, conversando sobre o tema dentro do que cabe ao mundo e a linguagem deles. Para isso, podem usar linguagens lúdicas, como brincadeiras, músicas, livros, dando subsídios para que a criança ou o adolescente possa reconhecer o abuso e denunciá-lo.

Vale ressaltar que o toque não é o único tipo de abuso sexual. Um adulto mostrar suas partes íntimas, expor filmes ou imagens pornográficas, fazer comentários eróticos sobre o corpo da criança ou adolescente, encorajá-los a praticar um ato sexual, seja com uma outra criança ou adulto, fazer a criança ou adolescente tocar o órgão genital de um adulto, expor imagens íntimas dessa criança ou adolescente, observar a criança se despindo ou no banho, tudo isso é configurado como abuso.

Outro ponto importante é não deixar seu filho dormir sozinho quando houver outras pessoas na casa, independente de quem sejam, do grau familiar, da afinidade, do gênero ou da idade. Observe se a criança ou adolescentes passou a mudar de comportamento, ficando mais quieto na presença de alguém, se apresentou automutilação, falta ou excesso de apetite, entre outros. Se perceber esses sinais, há a possibilidade de seu filho estar sendo vítima de abuso sexual.

Ensine quem pode tocar

A educação sexual, adequada a cada faixa etária, cumpre um papel importante na prevenção ao abuso sexual. A educação sexual vai além de falar sobre os órgãos genitais ou o ato sexual em si. Na primeira infância, é importante ensinar a criança a expressar consentimento sobre o seu corpo, isto é, falando quem e o que pode ser tocado.

Na hora da troca de roupa, do banho ou quando ela for usar o banheiro são momentos importantes para conversar sobre o assunto porque podem criam boas memórias afetivas sobre essas situações, fazendo a criança lembrar quem são as pessoas que podem tocá-la, como podem tocá-la e porquê podem tocá-la. Na conversa, é bom utilizar perguntas como Quem pode te dar banho?, Como é que te dá banho?, Quem pode limpar seu bumbum? Por quê?. Assim, a criança poder reconhecer que qualquer coisa fora do que foi dito pelos pais e cuidadores pode ser caracterizado como um abuso. Por exemplo, ao dar banho, utilize a brincadeira do ‘aqui não, aqui sim’ para orientar regiões que podem ser tocadas. Além disso, sempre peça permissão e avise a criança que parte do seu corpo será tocado para ser lavado, principalmente as partes íntimas. Isso dá a ela noção de autoridade sobre seu corpo.

O ideal é que os pais usem o nome real das partes íntimas com as crianças, assim como é feito com os outros órgãos do corpo humano.  Mas, se não se sentirem confortáveis, podem usar a linguagem que costumam conversar com a criança associada ao nome real da parte do corpo para que ela entenda quando ouvir a palavra de outra pessoa. Por exemplo, esse é o piu-piu, o pênis; essa é a pepeca, a vagina. Outra brincadeira que pode ser usada é a ‘assim sim, assim não’ para mostrar quais atitudes são inadequadas para se fazer em uma criança, como cheirar o pescoço, apalpar as partes íntimas, beijar na boca ou em outra parte do corpo.

Mantenha o diálogo sempre aberto

É preciso que os filhos se sintam seguros para contar sobre um abuso aos pais, reforçando que eles não serão punidos por isso ou serão colocados em dúvida. Além disso, é importante indicar outras pessoas que possam ouvir o relato, caso os pais não estejam presentes, como o diretor da escola, um professor, inclusive, pode ensiná-las a chamar a polícia quando se sentirem em apuros. Também é importante ressaltar que o perfil do abusador independe de gênero ou idade, e que pode sim ser alguém da família.

Livros e outras formas lúdicas para abordar o assunto

  • Meu corpo é especial, Cynthia Geisen, Editora Paulus
  • Não me toca, seu boboca!, Andréa Viviana Taubman, Aletria Editora
  • O segredo da Tartanina, Alessandra Rocha Santos Silva, Editora Universidade da Família
  • Meu corpo, meu corpinho!, Roseli Mendonça Editora Matrescência
  • Pipo e Fifi. Ensinando proteção contra a violência sexual na infância, Caroline Arcari, Editora Caqui
  • Segredo, segredíssimo, Odívia Barros – Geração Editorial

Além da literatura, vídeos educativos também podem ajudar. A série Que Corpo é Esse?, produzida pelo Canal Futura em parceria com a Childhood Brasil, Unicef Brasil e a Fundação Vale, apresenta episódios pensados e separados pela faixa etária das crianças, respeitando os limites de entendimento dos pequenos.