O custo da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes

Crianças e adolescentes são menos infectados pela covid-19, mas estão com a saúde mental impactada pela pandemia tanto quanto os adultos. “Assim como nós adultos, eles foram obrigados a viver uma situação que não era usual e alguns têm se saído muito bem, mas outros nem tanto, desenvolvendo quadros de ansiedade, depressão e até mesmo atraso psíquico e motor”, afirma Jairo Werner, psiquiatra, professor e coordenador da área de psiquiatria da infância e adolescência da faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Essa é uma questão que merece muita atenção, os pais e professores precisam ficar atentos, inclusive nas crianças e adolescentes que não dão sinal algum, pois estamos caminhando para uma onda de problemas de saúde mental pós-pandemia.”

Jairo Werner, psiquiatra e professor da UFF.
Jairo Werner, psiquiatra e professor da UFF.

Percepções diferentes

Cada indivíduo é único, bem como o contexto em que ele está inserido, isso vai desde o núcleo familiar, escolar e social. Diante disso, o psiquiatra explica que a experiência da pandemia é comum, mas a vivência da situação é diferente para cada uma das pessoas, pois tudo depende de uma conjunção de fatores. “Não podemos generalizar a forma como esse momento está sendo percebido pelas crianças e adolescentes. Por exemplo, quando uma criança ainda não entende totalmente o que está acontecendo, provavelmente ela sofrerá menos, pois não está preocupada com possíveis perdas, se ela pode ficar doente ou ser vacinada.”

"Mas a partir do momento que ela tem um nível de compreensão, sabe que os pais não são permanentes, ou seja, que podem ficar doentes, envelhecem e morrem, isso pode gerar um quadro de ansiedade e insegurança”, explica Dr. Jairo.

Já na adolescência, o jovem acaba tendo mais discernimento da situação e busca desenvolver um conceito sobre a circunstância. De acordo com o professor este é um ponto de atenção. Novamente, dependendo do contexto e da personalidade do adolescente, ele começa a questionar tudo, inclusive o sentido da vida e pode chegar a perder a vontade de querer viver por não saber o que, como e quando as coisas vão acontecer.

“O dilema do jovem é uma questão mais existencial, o que pode levar a um quadro de rebaixamento de humor e o desenvolvimento de uma depressão.”

Como evitar o trauma

Quando algo está errado com a criança ou o adolescente nem sempre os sinais são explícitos, o simples fato de perder o interesse pelos estudos e querer ficar somente no vídeo game, por exemplo, pode ser um alerta de que algo o está incomodando e o momento não é de recriminação, mas sim de acolhimento. “Os pais precisam ficar atentos a esses sinais, nem sempre a criança ou o adolescente demonstra o que está sentindo. É preciso conversar e não recriminar, criar um ambiente que eles possam abordar as questões que estão lhe trazendo sofrimento”, orienta Dr. Jairo. “Às vezes, os pais acreditam que não falar sobre o assunto é melhor. Mas isso pode agravar a situação, criando um problema de saúde mental difícil para ser resolvido ou causando traumas e condições patológicas permanentes.”

Além de estabelecer um diálogo, o professor indica que, quando possível, os familiares também devem buscar um apoio profissional.

Desenvolvimento e aprendizado

O desenvolvimento e o aprendizado de crianças e adolescentes também têm sido impactados pela pandemia. Não é apenas a dificuldade para ter acesso a uma tecnologia que permita participar das aulas remotas, mas também a falta de maturidade para se desligar do papel de criança ou de adolescente. “As aulas on-line têm sido um grande desafio para os estudantes porque o aprendizado vai muito além de receber uma informação, é preciso haver uma boa mediação e interação. Quando se está em casa, não se sai muito do personagem criança ou adolescente, sendo necessário um esforço enorme para entrar no papel de aluno, manter a atenção e o interesse já que tudo acontece no mesmo lugar, muitas vezes, onde dorme, brinca”, afirma o psiquiatra.

Saúde mental pós-pandemia

A pandemia da covid-19 trouxe diversos impactos para a sociedade, que certamente terão reflexos futuros. Nesse sentido, os pais devem estar atentos ao estresse vivenciado pelas crianças ou adolescentes para sempre transmitir conforto e segurança. “É preciso ter uma postura ativa e não passiva, conversando, ajudando-os a entender o momento para que essas questões não sejam cristalizadas e não se tornem um problema permanente após a pandemia”, finaliza Dr. Jairo.