Dependência por medicamentos: entenda o que é

A comercialização de antidepressivos e estabilizadores de humor cresceu 36% entre 2019 e 2022, segundo dados do Conselho Federal de Farmácia. Comparando as vendas em 2019, ano anterior à pandemia de covid-19, com as de 2022, o número de unidades comercializadas desses medicamentos aumentou de 82.667.898 para 112.797.268. Os estados que mais registraram crescimento nas vendas desses fármacos foram Bahia (62%), Paraíba (61%) e Maranhão (57%). Os menores aumentos foram verificados no Paraná e Rondônia, que obtiveram um crescimento de 29%, e Rio Grande do Sul (19%).

Na América Latina, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão, além de ser o segundo país com maior prevalência nas Américas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Essa condição tem sido crescente no país, como demonstrou um levantamento feito no período de setembro de 2019 pelo Ministério da Saúde, apontando um aumento de 52%, entre 2015 e 2018, no número de atendimentos e internações de pacientes referentes à depressão no SUS (Sistema Único de Saúde). Mas sabemos que esse cenário se agravou em decorrência da pandemia de covid-19”, destaca Gustavo Ariel, professor do curso de farmácia da Universidade Cruzeiro do Sul.

Ao mesmo tempo, o país registra mais de 30% da população com alguma dor crônica, segundo dados da Sociedade Brasileira de Estudos da Dor (SBED). É aí que entram em cena os antidepressivos, estabilizadores de humor e opioides, medicamentos utilizados para o tratamento de diversos problemas de saúde, mas que se usados de forma inadequada, sem a supervisão médica, podem levar a chamada dependência medicamentosa. “Segundo a OMS, o uso racional de medicamentos ocorre ‘quando os pacientes recebem medicamentos para suas condições clínicas em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade’. Toda utilização de medicamentos deve ser precedida de orientação médica, e no ato da aquisição, de orientação do farmacêutico. Este tipo de conduta evita possíveis riscos que podem ocorrer durante o uso inadequado e sem supervisão de especialistas”, alerta o prof. Gustavo. “No caso de medicamentos com alto potencial de dependência, isso é ainda mais grave. Já que o uso inadequado pode levar ao aparecimento da farmacodependência, que em seguida leva aos sintomas da abstinência, para além de efeitos nocivos como perda de memória, sonolência e irritação.”

Dependência medicamentosa

O professor explica que muitos medicamentos, denominados psicotrópicos, possuem tal efeito sobre o sistema nervoso central (SNC), como os medicamentos opioides usados para o tratamento da dor intensa, caso da morfina, a codeína e o oxicodona; remédios utilizados para o tratamento do TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) como a lisdexanfetamina e o metilfenidato; e os antidepressivos como a fluoxetina. “A dependência pode estar relacionada com a interferência de uma área do cérebro denominada como sistema de recompensa. A utilização dos medicamentos psicotrópicos leva a um aumento do neurotransmissor dopamina, relacionado com sensações naturais de prazer e bem-estar. No caso da dependência, o cérebro apresentará adaptações nessas altas concentrações de dopamina, que farão com que o paciente tente sempre mantê-la em grandes quantidades, a partir da utilização de um medicamento psicotrópico”, esclarece. “A dependência pode ser física ou psíquica. Na dependência física, há a presença de sintomas e sinais físicos que aparecem quando o indivíduo interrompe o uso da droga ou fármaco ou diminui bruscamente o seu uso, esses sintomas levarão à síndrome de abstinência. A dependência psíquica corresponde a um estado de mal-estar e desconforto que surge quando o dependente interrompe o uso de uma droga. Os sintomas mais comuns são ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de concentração, mas que podem variar de pessoa para pessoa.”

Michelle Fidelis Correa, que também é professora do curso de farmácia da Cruzeiro do Sul, destaca que nem todo medicamento pode causar a farmacodependência.

“Nem todo medicamento causa dependência ou comportamentos aditivos – compulsivos. Geralmente, a dependência ocorre quando envolve o circuito de recompensa, como os psicoestimulantes, que são passíveis de levar um aumento da liberação de dopamina no sistema nervoso central, como já mencionado pelo professor Gustavo. Entretanto, se considerarmos a dependência física, ela pode ocorrer independente deste circuito, como nos medicamentos que trazem efeitos de modo imediato e por tempo limitado, tendo como exemplo, os analgésicos não opioides. Além disso, o desenvolvimento da dependência envolve outros fatores, como quando o tratamento requer um longo período.”

Nesse sentido, o vício em medicamentos é similar ao vício em substâncias ilícitas, isto é, faz do paciente refém da utilização da substância, mesmo que, inicialmente, o uso do fármaco tenha sido para tratar alguma doença. Além disso, o consumo inadequado da medicação pode levar a um quadro de hiperalgesia, que é quando o paciente necessita de doses maiores para obter uma resposta ao tratamento. “Quando há a dependência medicamentosa, o medicamento psicoativo não deixa de fazer efeito, no entanto o fármaco perderá sua valência e o paciente com dependência pode desenvolver problemas associados a essa perda de efeito, como a hiperalgesia”, explica a prof.ª. Michelle. “A tolerância refere-se a um enfraquecimento progressivo de determinado efeito do medicamento após a exposição repetida, o que pode contribuir para o aumento do consumo da substância, conforme se desenvolve o processo de adicção (dependência/vício).”

Atento aos sinais

O DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) elenca sintomas físicos e comportamentais persististes como sinais de que uma pessoa possa estar desenvolvendo uma dependência medicamentosa. Entre eles, destacam-se:

“O tratamento para a farmacodependência é semelhante ao tratamento de outros tipos de vícios como a drogas de abuso. Consiste em técnicas de terapias comportamentais e deve ser feito com o auxílio profissional de médicos, psicólogos e outros profissionais especializados”, explica prof. Gustavo. “Para dependências medicamentosas específicas, como a dependência por opioides, é possível encontrar fármacos que auxiliam no tratamento, bloqueando os efeitos dos opioides a longo prazo e impedindo o aparecimento de consequências nocivas relacionadas as altas doses.”

Não se automedique

A automedicação, muitas vezes vista como uma solução para o alívio imediato de alguns sintomas, pode trazer consequências mais graves como reações alérgicas e levar até a morte. “Por isso, para evitar a dependência por medicamentos, uma das recomendações é não realizar a automedicação, além de seguir a prescrição médica de maneira rigorosa”, aponta a prof.ª Michelle. “Todo o período de tratamento deve ser acompanhado por profissionais adequados, como o farmacêutico que pode realizar as orientações necessárias para uma correta adesão ao tratamento.”