O estilo para a longevidade

Mudar o estilo de vida é realmente muito difícil a partir da meia-idade? Exige esforços que parecem inalcançáveis? Será que vale mesmo a pena tentar? Quando o tema é mudança de hábitos, as questões levantadas são extensas e podem desestimular quem já não se sente muito incentivado a dar os primeiros passos, mas há alternativas bastante sérias e eficazes, sem modismos.

A medicina do estilo de vida é uma delas. Trata-se de uma prática clínica com foco em promover a mudança de hábitos para prevenir doenças crônicas, como as cardiovasculares, as pulmonares e o diabetes, entre tantas outras.

Com origem na definição inglesa lifestyle medicine, essa prática se desenvolveu com base em evidências científicas produzidas pela Harvard Medical School e por vários outros centros médicos e universitários, principalmente norte-americanos.

O PODER DA MUDANÇA

Para o clínico geral Lucas Medeiros, professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente do Instituto Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida, “existem quatro elementos principais para prevenir, tratar e até mesmo reverter diversas doenças crônicas das quais sofremos hoje em dia e que nos levam à morte antes do tempo, por não estarmos em contato com essa fonte de vitalidade e de longevidade: a alimentação boa de verdade, o movimento do corpo, o cultivo da conexão humana e o gerenciamento do estresse”.

Lucas Medeiros, médico e presidente do Instituto Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida.
Lucas Medeiros, médico e presidente do Instituto Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida.

“Esses quatro pontos são medicamentos de estilo de vida, gratuitos e sem efeitos colaterais, e podem conviver muito bem com medicamentos e cirurgias tradicionais.”

Dr. Lucas diz que gosta de citar Dan Buettner, o escritor e jornalista da National Geographic que documentou lugares ao redor do mundo onde vivia, e continua vivendo, o maior número de centenários com boa saúde. “Dan denominou esses lugares de blue zones (zonas azuis) e reparamos que os hábitos desses longevos ao longo da vida eram muito parecidos.”

Algumas das blue zones reveladas por Buettner são a ilha grega de Icária, as ilhas de Okinawa, no Japão, a província italiana de Ogliastra, na Sardenha, e a cidade de Loma Linda, na Califórnia.

“Nos últimos vinte anos, a medicina do estilo de vida veio decodificando esses hábitos por métodos científicos rigorosos, mostrando que essas escolhas de estilo de vida do dia a dia tinham o poder de levar as pessoas a ter mais vitalidade física, emocional e longevidade”, explica o professor, que também é PhD em neurociências e estudioso do comportamento humano. “Todas as pessoas das blue zones cultivavam esses quatro medicamentos, que estão à nossa disposição.”

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OS 4 MEDICAMENTOS

  • Alimentar-se bem: “É comer comida de verdade, principalmente alimentos de origem vegetal: frutas com casca, folhas verdes, abobrinha, lentilha, grão-de-bico, feijão, arroz integral, pão integral, tudo mais próximo de como está na natureza.” Aqui, Dr. Lucas volta a mencionar as blue zones de Icária e Sardenha, “onde a alimentação é muito baseada em vegetal e a proteína animal é complementar, ou usada em um dia festivo”. “Eu tomo o maior cuidado com isso porque alimentação também é prazer, cultura, família, não é um olhar médico. É bacana a pessoa ter liberdade, tendo consciência de que um bom prato tem muitos vegetais coloridos, o arroz com feijão do brasileiro, que começamos a trocar por lasanha pronta e biscoito.”
  • Movimentar-se mais: “Não é ir à academia, necessariamente. Em Icária, o movimento faz parte do dia, eles sobem montanha, cuidam da horta, visitam os vizinhos. Um bom alvo seriam 150 minutos de atividade física por semana, podem ser 75 minutos duas vezes por semana, ou 20 minutos por dia.”
  • Cultivar os laços afetivos: “Os estudos vêm mostrando que a solidão é o maior fator de risco para morrer mais cedo. Estar mais plugado nas pessoas e na vida, nas conexões humanas, é o fator primordial gerador de saúde quando avaliamos os estudos de longo prazo.”
  • Lidar bem com o estresse: “O estresse aparece quando o que queremos que a realidade fosse e o que de fato a realidade é não batem. Isso gera um barulho, e esse barulho é o estresse. O medicamento 1 (alimentação), o 2 (atividade física) e o 3 (se importar com alguém, ter alguém que se importe conosco) ajudam a serenar o estresse.”

“Algumas práticas orientais favorecem o cultivo ao ser e a observação desse ser e estar no mundo. Esse cultivo diário pode ocorrer através da meditação, de mindfulness, ou através de práticas mais espiritualizadas, dos pés na grama, do cuidar da horta, um momento em que estejamos mais no lugar do observador. O cultivo desse lugar está ligado também a benefícios no nível genético, coronariano, da nossa bioquímica, produzindo mudanças no nosso cérebro relacionadas à clareza mental”, continua o Dr. Lucas. “Há vários estudos sobre isso.”

O SENTIDO DA VIDA

“Na minha experiência, a maioria das pessoas está querendo fazer mudanças para se cuidar mais, investir na própria vida”, diz o médico.

Para ele, com a pandemia de covid-19, as pessoas passaram a repensar mais os seus modos de viver, como estão se relacionando com o mundo, com os outros, com o próprio corpo. “Foi um momento em que fomos obrigados a ficar confinados e muita gente resolveu olhar para dentro.”

“Como médico do estilo de vida, o meu trabalho é ajudar pessoas que estão cansadas fisicamente e mentalmente a fazer acontecer a mudança que ela deseja”, afirma. “E o cultivo dos quatro medicamentos pode ser exatamente a ponte para levar as pessoas a viver a vida com mais sentido”, conclui o especialista em comportamento humano.